sexta-feira, 24 de julho de 2009

RE: Das surras aos abraços

"Caro Márcio:

lendo seu email, vi muitos pontos coincidentes com a minha história de vida.

1) meus pais também nunca trocaram afeto na minha frente (sou filho único).

Bem diferente do modo como eu e minha esposa nos comportamos na frente dos nossos filhos. Sempre procuramos demonstrar carinho e respeito um pelo outro. Acredito que isso faz bem para os filhos. Mostra à eles a naturalidade dos nossos sentimentos. Também nunca foram de me abraçar

e de me darem carinhos explicitos. Não os culpo porque eles tiveram uma vida de extrema dificuldade e foram educados por pais mais rudes ainda. Fui procurar afeto feminino com 16 anos nos braços das prostitutas de Santos.

2) Também tive que me apoiar, não em meus dons artísticos, isso porque nunca os tive, mais em uma certa facilidade com matemática. Também passei a acreditar que só seria querido se fosse uma pessoa competente. Daí surge um estudante nota 10, porém infeliz. Além disso, quando tinha 5 anos, recebi de um médico o diagnóstico de que nunca seria ninguém na minha vida, pois seria um pouco retardado mental (devido as minhas convulsões tomava remédios muito fortes, que me impediam de raciocionar com clareza). Repeti o primeiro ano primário.

Depois, quando pararam de me dar os entorpecentes, surge um aluno dedicado (como você, o primeiro da classe), que chegou ao doutorado no ITA e, ainda, mais a um pós-doutorado na Inglaterra. Um pouco de tudo isso para mostrar ao mundo que eu tinha algum valor! Digo um pouco porque valorizo o meu esforço para conseguir o que conquistei e, hoje, gosto do que faço. Talvez se não houvesse tanto essa necessidade de me mostrar capaz, poderia ter seguido outros rumos. Poderia ter sido um artista? um jardineiro?

3) Também a convivência social se transformou em um peso. Nasci lábio neporino. Depois de várias plásticas no lábio, isso com 19 anos, quando já estudava na USP, comecei a me aceitar um pouco mais, a ter um pouco mais de sociabilidade (antes, fazia o papel de gênio isolado, vivia nos livros e em clubes de xadrez).

4) Hoje também me sinto mais livre, mais à vontade e, também, tenho descoberto a força dessa afetividade reprimida. Também não preciso ser mais o centro das atenções. Valorizo cada vez mais, grupos como o nosso grupo de tantra. Como falei em meu depoimento anterior, o tempo é agora, o amanhã está cada vez mais curto.

Ao concluir essas palavras, estava um pouco emocionado. Me lembrei das palavras de Issac Newton, o pai do cálculo diferencial e integral (não veja isso como uma demonstração de esnobismo, apenas de alguém que acha a matemática a rainha de todas as ciências). Disse ele: se eu enxerguei um pouco mais além do que outro homem, foi porque subi em ombros de gigantes. Eu digo: se hoje cheguei até onde cheguei é porque tive apoio de uma grande mulher, a minha esposa. (neste ponto estou muito emocionado, como estou na faculdade, tive que me controlar para não chorar).

Também admiro todas as mulheres do nosso grupo. Vejo nelas: beleza, coragem e tesão.

Como você vê, nossas histórias tem muitos pontos em comum.

Um abraço,

Sajeev Nirmukta. "

Matemático, estatístico, sannyasin, pai, marido, participa do Laboratório de Formatividade Tântrica da Companhia do Ser . É um prazer tê-lo conosco!

Nenhum comentário: